16 dezembro 2015

Firma FC

Todo ano tinha pancadaria, às vezes o jogo nem acabava, mas todo ano tinha jogo de novo – em dezembro, pra confraternização da fábrica, juntando gerentes, supervisores, operários, faxineiros, motoristas, vigias e até um ou outro diretor mais corajoso ou otimista.
Muitos ficavam meses sem se falar. Teve quem pediu demissão e quem foi demitido. Suspensões e férias forçadas. Só aos poucos, com os meses se repetindo, se restabelecia o clima.
E vinha dezembro, vinha o jogo e vinha a pancadaria.
Talvez fossem rusgas acumuladas por pequenos atritos ao longo do ano, talvez fosse pela bebida que jorrava antes e durante o jogo, ou ainda pela tensão classista entre os diferentes salários e postos de trabalho.
Começava com dois ou três, envolvia os próximos ao lance, agrupava os mais amigos entre si, e em poucos minutos titulares, reservas e os que só iam assistir se engalfinhavam em socos, agarrões, rasteiras e gravatas e só paravam por exaustão ou ferimentos mais graves.
Este ano o dono chamou todo mundo. Disse que não haveria jogo. Que a empresa é de todos e que eles formam uma família. Que futebol é esporte de confraternização. Que fim de ano é para renovação de esperanças. E que, depois de tantos anos de brigas, ele decidiu acabar com a tradição do futebol da empresa.
Mas o que se comentou entre os funcionários é que, na verdade, com a crise e as demissões, não daria pra alugar campo, comprar bebidas e petiscos e mal e mal daria pra formar dois times com os que sobraram.
Muitos não se conformaram. Procuraram o dono e propuseram terceirizar uma parte dos jogadores – no caso, convidar conhecidos e parentes. Disseram que rachariam as despesas com o campo e a comida e que não haveria bebida.
E que todos, gerentes, supervisores, operários, faxineiros, motoristas, vigias e diretores, se comportariam.
O jogo foi ontem à noite.
E, claro, quebrou o maior pau.
Que é, no fundo, o que eles queriam.
O futebol é só um ensejo para a tradição que eles de fato apreciam e fazem questão de manter.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)