07 fevereiro 2016

Arrependimento

Sempre uma desculpa. “Furou o pneu da bicicleta”, “a fila estava muito grande”, “o cliente demorou a me atender”, “foi difícil achar o endereço”, “ninguém sabia quem era o cara”.
Mas era a pelada.
Ele saía pra fazer cobrança e não resistia. Via um campinho, um espaço qualquer em que jogavam bola, e logo parava a bicicleta, amarrava a pastinha de notas no bagageiro e entrava no jogo. No mínimo uma hora.
Chegar suado era normal: rodava a cidade pedalando. O lote grande de cobranças também justificava alguma demora.
Mas os atrasos estavam aumentando. As desculpas se repetindo. E o pior: os resultados das cobranças eram baixos, quase nulos.
Da última vez voltou só à noite. A firma já estava fechada. De manhã o chefe o chamou pra demiti-lo.
Ele abriu o jogo.
Era um campinho lindo, num bairro que ele não conhecia. Grama natural, bica do lado, traves de bambu com travessão, farrapos de rede, sombra farta, bola nova, molecada boa de bola, faltava um pra inteirar – ele não poderia impedir o jogo.
E mais, chefe, foi um jogaço! Escurecendo, empatado em oito a oito. Quem fizesse ganhava.
Não podia parar. Questão de honra. Ninguém enxergava mais nada, mas nem pensava em parar.
E eu fiz o gol decisivo!
Foi uma festa! Abraços, sanduíches, guaraná, risos encharcados de suor, todo mundo junto, dos dois times.
Mas o senhor está certo.
Onde eu assino?
O chefe se levantou, rodou a sala com as mãos nas costas. Entregou a ele o papel para que assinasse. Recolheu a pastinha com as cobranças – nenhum recebimento, como sempre.
Sozinho na sala, sentiu dó do garoto; pensou que a demissão era um castigo exagerado.
Mas disse para si mesmo que a vida é dura.
Que a gente precisa aprender na dor e na perda.
E fingiu que estava coberto de razão.
Mas estava arrasado.
Queria largar tudo e correr pro campinho.
Chamar o garoto para ir com ele.
Chupar manga, lavar o rosto na bica, comer pão com mortadela e, acima de tudo, jogar bola livre, sem regras, sem hora, até anoitecer.
Isso foi há muito tempo.
Ele ficou mais maduro, mais velho.
E até hoje carrega o pesar em algum nó dolorido na alma.
Mas finge que não sente.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)