"Nos últimos tempos ele bebia,
não por prazer e sim para disfarçar a tristeza e principalmente para enganar a
dor.
Ele estava doente, porém o mundo
estava muito mais.
Chegou trôpego e precisou de ajuda
para entrar no elevador...
Entrou no apartamento e ainda teve
forças para vestir o Pijama, afinal de contas para ele era permissivo sair na
rua de Pijama, mas jamais se deitaria com a roupa da rua.
Falando em rua, naquela noite e em
outras tantas, constatou tristemente que ele era apenas mais um...
Ledo engano.
Nas imediações de seu apartamento a
cidade mantinha seu ritmo frenético num vai e vem de carros e pessoas que
sequer supunham que a vida passava rápido demais entre a massa e o caminhão.
Falando em passar, ele pensou:
"Os homens passam e as músicas
ficam".
Depois teve um sobressalto:
Será que minhas músicas também vão
passar?
Seu maior medo, era ser esquecido.
Outro engano...
Colocou um VHS do Elvis, tomou a
derradeira saideira, fumou um cigarro e foi dormir quase em paz. Sonhou com um
caminho bonito rasgado na mata que outrora havia sido virgem. Encontrou um
igarapé e se banhou nele. Raul adorava água e além de haver perdido o medo da
chuva ele agora era amigo dela. Lembrou de Dias D'Avila, sentiu saudade de suas
lindas fontes e chorou baixinho junto com a chuva fina que insistia em lhe
acompanhar sem deixar vestígios.
Estava sentindo que encontraria
naquele caminho que ele mesmo havia escolhido, a dama misteriosa vestida de
cetim que ele sempre havia detestado mas que amava ao mesmo tempo... Um
flashback lhe passou pela cabeça, as filhas, a família, os palcos, os amores
que ele não soube viver e alguns poucos amigos verdadeiros.
Leu numa plaquinha na trilha:
"Viver é ser feliz e nada
mais..."
Voltou a sorrir e no mesmo instante
procurou ver as coisas como elas realmente eram, sem falsas conclusões, e
compreendeu imediatamente que precisava tentar uma coisa nova. Ele já havia
feito sua parte e a semente que havia ajudado a plantar já havia nascido.
Estava chegando o momento de Raul encarar o Raul Seixas...
Olhou para cima e notou que aquele
céu já não era o mesmo céu que ele havia conhecido, era um céu carregado e
rajado, suspenso no ar. Sentiu uma dor forte no peito e o sabor de um beijo,
abriu os olhos assustado e percebeu que estava novamente em seu quarto e a
última coisa que viu nesse plano espiritual foi o Elvis se despedindo no palco.
Fechou os olhos outra vez e em
seguida tornou a abri-los aliviado, despertando para sempre do curto sonho da
vida em algum lugar do universo..."
(Alanderson Hudson)