25 abril 2014

Ilusão de Ótica

Ao sair de casa pela manhã, a lavradora Maria Luísa Lopes, 84 anos, deu uma olhada na fachada de casa. Há um mês, a visão era familiar: paredes brancas e janelas verdes. No fim da tarde, quando voltou, o susto. No lugar da casa estava uma estrada de terra, rodeada por grama e por uma cerca de arame farpado. 
Estava na rua errada? Não. Todos os vizinhos pareciam estar no mesmo lugar - a Rua das Flores, no povoado de Morrinhos, a cerca de 40 quilômetros de Feira de Santana. Avistou o telhado e viu que o imóvel não tinha desaparecido. Mas... Cadê a porta? 
É verdade que a estrada, a grama e a cerca são comuns em Morrinhos.  Só que, nesse caso, não passava da fachada da casa onde mora desde que nasceu, com uma pitada de ilusão de ótica.
Quem olha rápido – e até quem olha atentamente – pode não perceber que ali existe uma fotografia adesiva, impressa em tamanho real e colada no que antes era a parede branca. A intervenção faz parte de um trabalho da artista visual Maristela Ribeiro, professora do Instituto Federal da Bahia (Ifba). Há um ano, ela começou um projeto que pretendia mostrar a realidade de Morrinhos aos seus próprios moradores e ao mundo. 
Após oferecer oficinas de arte e fotografia à população, Maristela partiu para a última fase do projeto, que começou em dezembro e se estendeu até março. “Não encontrei nenhuma imagem da comunidade, que existe desde 1940. Imaginei trazer a paisagem regional e usar as casas como telhado”, afirma Maristela, que usa o projeto na pesquisa no doutorado em Artes na Universidade Federal da Bahia.
Apesar de chamar atenção dos quase 400 moradores e também dos forasteiros, a casa de dona Luísa não é a única: as paisagens de Morrinhos foram transportadas para outras nove das cerca de 90 residências do local.
“Meu objetivo era que as casas desaparecessem. Para mim, era uma metáfora sobre o esquecimento do local, sobre como essas pessoas são deixadas de lado e se tornam invisíveis”. Lá, a maioria dos moradores vive em casas de taipa, sem saneamento básico. A principal fonte de renda, além da agricultura familiar, é o Bolsa Família, segundo a pesquisadora.