03 novembro 2015

Visões de Jogo

Ele começou a ver coisas.
No meio dos jogos, via mulheres horrendas na arquibancada. Pareciam bruxas.
No barraco que usavam como vestiário, um velho de chapéu encostado na porta.
Crianças de olhos vazados correndo junto com o bandeirinha.
Dentro do gol, um túnel.
O juiz de rabo e chifres.
Adversários virando anjos.
Cada jogo uma visão diferente.
Não falou nada pra não o tirarem do time – vai que achavam que estava ficando louco, melhor ficar quieto.
Acabava o jogo, tudo normal. Nada de visões, nem pensava naquilo.
Mas foi se agravando.
Até que a bola, vindo pra ser amortecida no peito, de repente abriu os braços.
Envolveu-o, oferecendo o ombro à sua cabeça aturdida.
Acabou desmaiando.
Ficou meses pra recobrar os sentidos e se recuperar.
Quer dizer, nem se recuperou totalmente. Parou de jogar. Ficou meio lento, distraído, calado.
Segundo ele, ninguém sabe de nada disso. Garantiu que só pra mim ele contou sua história.
Sem nunca nos termos visto antes.
Estava ao meu lado, assistindo a uma pelada de garotos, e começou a falar.
Depois parou. Olhou-me espantado. Sumiu.
Talvez ele ache até hoje que eu sou mais uma visão que ele teve.
Porque eu mesmo não sei se isso tudo ocorreu ou se foi uma visão que eu tive.
(Texto de Luiz Guilherme Piva, autor de Eram Todos Camisa Dez)