15 abril 2016

Cadê a Bola?

No gol de baixo não podia chutar. A bola tinha que ser levada até dentro da meta – um chinelo de cada lado. Nos chinelos de cima podia. Dois tempos, os times mudavam de lado, ficava equilibrado.
A rua era quase uma ladeira. E de paralelepípedo. Não era fácil dominar a bola. Fora as divididas, rebatidas, espirradas.
Com isso, ela toda hora rolava ladeira abaixo. Umas vezes dava pra pegar pertinho; mas quase sempre ela descia rapidamente até o terreno baldio no final da ladeira, quase 500 metros adiante.
Sempre sobrava pro menorzinho buscar. Só o deixavam jogar por causa disso.
Ele reclamava, mas davam-lhe cascudos e socos, xingavam, ameaçavam tirá-lo e ele acabava indo, as pernas curtas, embalado chorando morro abaixo, devagar chorando morro acima.
Dez, vinte vezes por jogo.
Queria jogar. A condição era essa.
Mas um dia ele não voltou.
Todo mundo esperando, estranhando o tempo. Sentaram-se. A tarde já ficando escura.
Decidiram descer todos: uns com raiva, prometendo surrar o moleque, outros com receio de que algo tivesse ocorrido.
No final da ladeira o medo era unânime. Foi sequestrado? Atropelado? Os pais dele vão nos matar. A polícia vai nos prender.
Entraram no terreno baldio. Entulhos, mato, tambores, mosquitos, monturos, poças. E escurecendo.
Gritaram o nome dele.
Nada.
O medo e a noite fizeram todos saírem. Subiram a ladeira devagar e apavorados.
Em silêncio.
Chegaram aos chinelos.
Olharam em volta pra ver se ele tinha voltado – embora não houvesse outro caminho.
Chamaram, gritaram.
Nada.
Na penumbra espessa calçaram as traves e decidiram ir à casa dele, com medo, contar aos seus pais.
Bateram palmas.
Nada. Casa vazia.
Mas como? A família era grande, estavam todos ali pouco antes.
Empurraram a porta. Tudo vazio, empoeirado, bolorento, malcheiroso.
Como se nunca ninguém tivesse morado ali.
Rangidos no fundo. Vento.
Tremiam.
Um grito (“gol!”) – a vozinha dele, muito alta e fina – fez todos correrem.
No escuro, um deles tropeçou em algo e caiu de cara no chão.
Era a bola.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)