17 setembro 2016

Majestade

O campinho ficava bem no alto do morro. Meia hora de subida. Chegavam lá cansados.
Mas valia a pena. Era um platô pequeno, com grama natural, com as traves de bambu que eles mesmos haviam colocado.
Só que em volta era tudo morro. Não tinha lateral nem tiro de meta nem escanteio. Um palmo ou dois depois dos limites do campo eram as inclinações – se a bola chegasse ali, rolaria até o sopé e fim de jogo.
O jeito era jogar como eles faziam. Toques curtos, suaves. Aproximações, dribles secos, domínio perfeito.
Pra fazer gol tinham que conduzir ou tabelar até as traves e, com o pé em cima da bola, fazê-la ultrapassar a linha e puxá-la.
Isso criava um cuidado, uma delicadeza de movimentos que lembravam o balé.
E, como no balé, eles jogavam em silêncio.
Só o vento, um pássaro, um chiado, vindos de algum lugar distante, formavam a música inaudível que eles dançavam.
Fui lá uma vez. Não quis jogar, temendo deixar a bola escapar e acabar com o jogo. Fiquei só olhando.
Admirei de início o domínio que eles tinham sobre a bola.
Mas logo percebi que não era bem isso.
Na verdade, era a bola quem os comandava.
Era ela quem imperava, ditava o ritmo, dirigia os movimentos.
Ela era a majestade.
Os meninos eram seus súditos.
O campinho, um tipo de palácio.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)