24 setembro 2013

O Outono de Gabiru

Todo mundo o conhece como Gabiru. Ou Adriano Gabiru.
Pois bem…
Quando ele nasceu, um anjo torto – que pode ter sido Garrincha ou Nelson Rodrigues – soprou-lhe ao ouvido: “Vai, Carlos, vai ser gauche na vida”.
Carlos Adriano de Souza Vieira, nasceu em Maceió, nas Alagoas, a terra dos marechais.
Pobre, sem estudo, sonhou com o futebol. Começou pelo CSA, o Centro Sportivo Alagoano, e conquistou um estadual.
Depois foi pro Furacão, onde ganhou quatro estaduais e o Brasileirão de 2001, o maior da história do rubro-negro paranaense.
Foi um dos destaques do título nacional do clube paranaense. Chegou à seleção olímpica e à principal.
No campeão brasileiro de 2001, Adriano era nome certo na escalação, junto com Kléber, Kleberson e Alex Mineiro. Depois, apelidaram-no Gabiru.
Que apelido! Gabiru significa rato, rato pequeno – e preto. Também é sinônimo de coisa miúda, fraca, sem vida.
Mas ele – com sua humildade – não se importou, não viu maldade; antes, ao contrário, enxergou carinho dos colegas no apelido.
E lá foi ele – ser ‘gauche’ na vida – como talvez quisessem Garrincha, o anjo das pernas tortas, e Nelson, o anjo pornográfico.
O destro gauche, um Carlos que era Adriano, que virou Gabiru.
Depois do título nacional, depois da seleção e depois do apelido, ele nunca mais jogou como antes, nunca mais foi o mesmo de 2001.
O gauche “mineirou” – indo para o Cruzeiro de Belo Horizonte. Depois “gauchou”, mudando para o Inter de Porto Alegre.
A esta altura do campeonato já rodara por Oropas, França e Bahia, como poetava outro Carlos, o Drummond.
Naquele 2006, lá nos Pampas, já estava para ser dispensado – por deficiência técnica, diga-se. A torcida colorada não o queria nem no banco de reservas.
Então veio o Mundial de Clubes da Fifa. O Inter chegara à decisão contra o poderoso e favoritíssimo Barcelona, em Yokohama, no Japão.
O zero-a-zero já se encaminhava para os pênaltis, quando o anjo Nelson soprou no ouvido do técnico Abel:
- Põe o Gabiru.
O renegado entrou – e justo no lugar de Fernandão, que era o craque, aquele que poderia ser o herói de um sonho quase impossível.
Com a substituição, Abel virou “burro”, “imbecil” e “idiota” para os torcedores colorados, os que estavam no Japão e os diante da televisão.
Recorrendo a Gabiru, o Inter venceria o poderosíssimo Barcelona de Puyol, Xavi, Iniesta e Ronaldinho?
Quis o destino, ou melhor, quis o Sobrenatural de Almeida que sim – ele baixou em campo no corpo de Gabiru.
No Inter de Falcão, e Figueroa, e Carlitos, e Bodinho, e Dunga, e Dadá, e Lula…
No Inter “campeão de tudo”, o gol mais glorioso, o gol mais importante de todos os tempos foi feito por ele, o renegado Gabiru.
Naquele Natal de 2006, ele foi o Papai Noel dos colorados. Meio Rio Grande do Sul ajoelhava-se aos seus pés para lhe pedir perdão.
- Perdão, Gabiru! – cantava toda a torcida do Inter, a plenos pulmões.
O que a alegria da vitória – a maior vitória – não é capaz de fazer, não é? O feio fica lindo, o ruim fica ótimo, um rato vira rei. Na maior das vitórias é assim.
Mas a alegria da vitória, mesmo a maior das vitórias, dura alguns dias. Depois, o que fica é um pôster pendurado na parede de quarto.
Dias depois, novo campeonato, novas histórias, novos heróis – os possíveis e os impossíveis. E novos vilões também.
Quatro meses depois, quando ainda era viva a imagem do título mundial, o Inter dispensava Gabiru.
A empresa, assim, dispensava o empregado que deu o maior lucro de sua história, o topo do futebol mundial.
Triste ironia desse mundo cruel que é o futebol.
De novo nômade, rodou pela bola do mundo: Figueirense, Goiás, Guarani, Mixto (MT), Corinthians do Paraná, CSA de novo, Guarani de Bagé…
Até que, neste domingo, início de primavera, lemos a notícia no UOL: “Herói do título mundial do Inter joga no futebol amador”.
A notícia informava que, desde junho, aquele que um dia foi o Rei de Yokohama está jogando no Combate Barreirinha, um time amador do subúrbio de Curitiba, no Paraná.
“Recebi essa proposta, acabei aceitando, pra não ficar parado”, disse ele, com a humildade de sempre.
É triste, nesse domingo de primavera, ler a notícia do outono de Gabiru.
Naquele Natal de 2006, Gabiru foi o Papai Noel dos colorados. Meio Rio Grande do Sul, ajoelhado aos seus pés santificados, agora lhe pedia perdão.
O que a alegria da vitória – a maior vitória – não faz? O feio fica lindo, o ruim fica ótimo, um rato vira rei.
Mas a alegria da vitória dura pouco. Fica lá na foto, no pôster  pendurado na parede de quarto.
No mês seguinte, outro campeonato, outra história, outros heróis.
(Texto do jornalista baiano Marcelo Torres)