19 outubro 2016

Vira Casaca

Indignação foi o mínimo. Teve agressão verbal, ameaça de linchamento, caras viradas, ofensas na internet.
- Mudou de time?
- Ficou louco?
- Tá de brincadeira?
- Vá to…
Ele nem aí. Resolveu. Apareceu na rua da vila, sábado de manhã, com a camisa do maior adversário. Sentou-se no boteco, como sempre. Os amigos riram, perguntaram se era trote, se era aposta, o que era.
- Nada. Mudei de time.
Todos sempre torceram para o time que agora ele abandonava. Iam aos jogos. Eram sócios. Filiaram-se à torcida organizada. Álbuns, camisas, bandeiras, cartões de crédito, até a latinha de cerveja. Depois do espanto, certificaram-se de que era sério. Houve um empurra-empurra barulhento, cadeiras levantadas, o pessoal da rua teve que intervir.
Ele se sentou de novo, sozinho. O pessoal foi embora olhando pra trás, vendo-o no bar com a camisa odiada.
Um deles não se aguentou. Quis correr de volta pro bar, com raiva. Os outros o detiveram. Ele, com lágrimas, vermelho, o pescoço inflado de veias, gritava:
- Não tá feliz, muda de sexo, porra! A gente aceita! Mas de time, não! Pelo amor de Deus!
Domingo a mesma coisa. Ele, na janela, vendo todos o apontarem.
Pôs a camisa adversária e foi pro bar.
Outro corre-corre. Ligaram pro dono ameaçando pôr bomba no estabelecimento. Preocupado, o garçom pediu a ele que se retirasse.
Ele parou na porta, fumou, alisou a camisa e seguiu pra casa.
Durante a semana, só silêncios e agressões virtuais.
Na sexta à noite, a mulher o procurou.
- Vou embora.
- Quê?
- Vou embora. Encontrei outra pessoa.
- Outra pessoa? Que história é essa?
- …
- Seu ex-namorado?
- Não.
- O cara da autoescola? Eu vi ele se jogando em cima de você durante a aula.
- Não.
- …
- É a Cleide.
- Como a Cleide?!
- A Cleide. Do salão.
- A Cleide é mulher! Tá doida?
- Não. É do que eu gosto. Sempre desconfiei. Assumi.
- De mulher? Você gosta de mulher?
- Gosto. A Cleide também. Resolvemos morar juntas.
Ela saiu e ele ficou atônito.
Não dormiu.
No sábado cedo apareceu no bar com a camisa do antigo time. Os amigos olharam, se aproximaram devagar, perguntaram, foram se certificando, até terem certeza.
Deram-se um abraço enorme.
- É assim que se fala!
- Ê, companheiro!
- Sempre unidos!
- Brinda aqui!
- Quase nos matou com essa doideira!
Sentaram-se. No silêncio dos goles aproveitou e disse.
- Mas tem uma coisa.
O olhar de todos, mãos nos copos, copos nas bocas.
- Vou mudar de sexo.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)